
No dia em que se assinalou o 38.º aniversário da Revolução dos Cravos, a Taberna do Museu Rural e do Vinho do Concelho do Cartaxo foi palco de uma conversa onde, sob a perspetiva de um ex-militar e atualmente fotógrafo, se fez um “zoom” ao passado e se retratou histórias de uma vida em que os desafios significam oportunidades.
Terá Vítor Neno um olhar “mais focado” sobre a realidade que o rodeia? Será que o quotidiano lhe passa hoje menos indiferente? Uma coisa é certa, foi graças à fotografia que passou a dar uma atenção especial aos pormenores, a ver as coisas de uma forma “mais real”, a viver a intensidade de cada momento, a ser mais comunicativo até.
Não é por acaso que a máquina fotográfica passou a ser “uma extensão do seu braço”, que por sua vez “é uma extensão do seu cérebro”. Foi algo que entrou na sua vida, que a transformou e que teima em não largar.
Mas não foi somente para falar da atividade profissional que lhe deu notoriedade que foi convidado para as Conversas na Taberna. Foi sobretudo para contar o que o levou em jovem a dar-se como voluntário para os Comandos e que mais-valia retirou da carreira de militar, precisamente num dia que traz à memória o momento em que os Capitães de Abril conquistaram a tão sonhada Liberdade.
Vítor Neno tinha 6 anos quando aconteceu a Revolução dos Cravos. Nasceu nos Casais de Baixo (Azambuja), mas passou toda a infância em Vale da Pedra (Cartaxo), para onde foi viver com os pais quando tinha apenas um ano e meio de idade.
Das suas recordações de menino, vêm-lhe à memória os momentos passados no Jardim de Infância do Cartaxo. Da adolescência, guarda as boas vivências da escola. “Se o Cartaxo é hoje um local aprazível, há 30 anos era ainda melhor, mais calmo e tranquilo”.
Assim cresceu, com o desporto a fazer parte do seu desenvolvimento físico e social. Aos 13 anos começou a praticar futebol no Sport Lisboa e Cartaxo e mais tarde passou pelo Estrela Futebol Clube Ouriquense.
O tamanho dos desafios aumentava à medida que alargava os seus horizontes. E com 18 anos, decidiu oferecer-se para os Comandos. Foram quatro meses e meio de curso intensivo e mais um ano integrado em companhias operacionais.

“Foi um momento extremamente importante da minha vida. A tropa foi uma autêntica escola, acima de tudo uma escola de camaradagem”. A exigência física e psicológica “era extrema”, é certo, mas a solidariedade, a disciplina e o bem-estar eram também cultivados como valores essenciais.
Havia um lado em que era exigido que se levasse “o estado físico e psicológico ao limite”. Havia outro que proporcionava um saudável convívio entre os militares, que nascia desde as tarefas mais simples aos mais complexos exercícios. Ao mesmo tempo, eram um exemplo de autossuficiência.
Transportou esses valores para a sua vida. Somou-lhes a liberdade, cujo conceito tem-se tornado depreciativo. “Tenho pena de sentir que muitas pessoas não fazem a mínima ideia do que é a liberdade. Lamento muito ver que o conceito tem evoluído mais no sentido da libertinagem do que da liberdade em si”.
Para essa “evolução negativa” tem contribuído “a falta de cultura”, o facto das pessoas “serem pequeninas”. “Eu adoro Portugal, mas se pudesse colocava-o por uns tempos no centro da Europa e dava-lhe um banho de cultura. Depois voltava a pô-lo no mesmo sítio”.
Muito do que sabe hoje, aprendeu com os outros. Uma outra parte, foi o resultado das suas próprias descobertas, movido por uma grande curiosidade e espírito criativo.
Foi assim que, após ter desempenhado as funções de inspetor de qualidade nas oficinas da OGMA – Indústria Aeronáutica de Portugal, nasceu o gosto pela fotografia. O seu amigo Almeida foi, em parte, responsável por isso. Se ele não lhe tivesse emprestado um livro de iniciação à fotografia, quem sabe se Vítor Neno não teria seguido outro caminho.
Daí até comprar a sua primeira máquina fotográfica compacta foi um passo, tão grande como aquele que deu depois para a primeira máquina manual e, seguidamente, para a fotografia digital.

“Fiz o primeiro rolo a pensar que ia ser o melhor fotógrafo do mundo. Mas quando vi o resultado, deu-me vontade de atirar a máquina contra a parede. Mas senti-me picado com isso e comecei na competição com a máquina. E venci”.
A fotografia surgiu-lhe assim como uma área que poderia explorar e na qual sentia desejo de se profissionalizar. Assim foi. Apostando todo o seu empenho, começou por fazer fotografia social e logo de seguida enveredou pelo fotojornalismo.
Começou no jornal A Vida Ribatejana, em Vila Franca de Xira, e a partir daí nunca mais parou de fotografar, tendo já trabalhado para várias publicações desportivas, de moda, de saúde ou de arquitetura. Hoje dá também aulas na escola na qual um dia sonhou tirar um curso – na Oficina da Imagem.
Nos últimos anos, raro deverá ter sido o evento que aconteceu no concelho do Cartaxo que não tenha sido “captado” por Vítor Neno. Por isso, sempre que se sente o disparar de um flash, há sempre quem procure esta figura “grande e corpulenta” – mas com um ar descontraído e simpático – com a sua inseparável máquina fotográfica ao peito.